domingo, 24 de abril de 2016

O sábio da rua 13

Havia um homem que morava no portão de uma casa abandonada e seu nome poucos sabiam, pois ele dizia que nomes eram coisas humanas e ele estava acima disto. Todo dia ele acordava com o primeiro sinal de sol para observar as pessoas, ficava horas vendo homens e mulheres apressados com suas vidas passarem correndo para sua rotina. Ele dava bom dia a todos, porém poucos eram os que paravam para prestar atenção no maltrapilho.


- Bom dia! - Ele sempre dizia com uma voz amistosa, mas resposta não recebia.

Um de seus únicos amigos era o Jardineiro da Casa Grande, mais conhecido como Juca Raiol.

Juca Raiol costumava levar comida para o sábio. E eles conversavam até o crepúsculo, mas havia uma hora especial em que o sábio parava tudo para ver a saída das crianças da escola, começava a cantar e acenar para elas. Muitos tinham medo do homem, mas ele só se divertia mais com isso. Por vezes Juca o tentou entender, mas ele estava acima de qualquer entendimento.

- Afonso - Juca uma vez chamou o sábio por seu nome de batismo, querendo obter a atenção.

- Não me chame assim, amigo, eu não mereço ser titulado como todos vocês humanos. Eu sou apenas um andarilho, um ser vivo que logo deixarei um espaço em branco na terra. Nada mais.

- Você e suas maluquices, meu sábio. - Juca riu e bateu de leve nas costas do amigo, era estranho como ele tinha a capacidade de transmitir a paz.

Um dia Afonso fora um homem bem apessoado, tivera mulher e uma grande casa. Mas perdera tudo num piscar de olhos, a mulher foi embora e a casa aos poucos se tornara um antro de tristeza. Depois disso ele decidira que iria ser diferente, que não seria um humano comum.

Por isso adorava as crianças, elas ainda tinham a inocência do viver. Não tinham sido ungidas pelas leis dos homens, pois não eram ainda capazes de decidir como eles, seus olhos brilhavam com a esperança de um mundo surreal, um mundo que apenas uma criança é capaz de imaginar.

- Bom dia! - o sábio sorria como se ainda fosse uma criança. E quando tinha reposta, seus olhos brilhavam.

Quando contemplava a beleza da vida, via como tudo era perfeito, via e lembrava de quando era um humano, um homem de rotina. E ria com as estrelas que pareciam sorrir de volta.

"Está na hora", pensou numa noite tranquila. Ali havia feito amigos e conhecera muitos, mas ele não podia ser o sábio de um mesmo lugar eternamente, afinal, um andarilho precisava ir embora um dia. O homem não convencional andou por toda a rua naquela madrugada, lágrimas queriam brotar de seus olhos, mas ele sabia que tinha de ser assim, então não se permitiu chorar.

No outro dia, quando Juca foi levar comida para o amigo, surpreendeu-se por não o ver lá. No local onde o sábio vivera durante anos estava apenas um cobertor e um papel, Juca se abaixou e percebeu que aquilo era uma carta:


A todos!
Sinto por ter de ser assim, a vida é uma estrada de encontros e desencontros e nesse momento tomei um novo rumo. 
Em todo momento tentei fazê-los menos homens titulados pela sociedade e transformá-los em pensadores de suas vidas,
não sei se falhei, acho que ainda há tempo a todos nós. As crianças são o nosso futuro, nunca se esqueçam disso, amigos.
Quero que lembrem de mim não como o louco que ficava incólume na calçada, lembrem de mim como o homem que abdicou
uma vida comum por uma experiência maior. Espero que a vida de todos seja iluminada como as estrelas que via todo dia na
carinhosa sarjeta em que dormia.
O sábio



Ao terminar de ler Juca guardou a carta no bolso e enxugou as lágrimas que vieram de repente. Jurou a si mesmo que sempre falaria para todos de seu amigo. E que um dia voltaria a encontrá-lo na estrada longa da vida. O homem foi a caminhar pensando em Afonso, ou melhor dizendo: O sábio da Rua 13.

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