sexta-feira, 22 de abril de 2016

Deusa Amor



Dona Ódio se sentia cansada.

Sim! Cansada de tantos floreios ao Amor e pouco destaque a si. Afinal, desde que, Amor caíra em sono profundo ela dominava quase integralmente o coração dos homens.
Ódio era uma deusa jovem, porém, com marcas faciais que lhe tornavam velha e medonha a melhor vista. Acomodada em seu trono soberano conversava com Inveja; uma de suas mais frequentes companheiras, que, como ela, tinha as marcas flácidas de tanta negatividade.

-Os homens procuram Amor sempre! – Berrava incrédula – Mas, semeiam-me em seus sórdidos corações – Disse a mãe de ira.
-Seria ótimo ser querida e aceita como crucial na vida humana... – Comentou Inveja.
-Temos sempre de ficar aqui, vistas como a escória – Disse a deusa Tristeza adentrando na galeria com sua voz mofina habitual – Somos o que há de pior a todos.
Ódio olhou de soslaio para tristeza. Era uma mulher bela, mas, apinhada de marcas de lágrimas em seu rosto e expressões depressivas. Será que tristeza estava certa? Seriam as deusas do palácio escuro despojos do sentimento humano?
Não!
-Tivemos a oportunidade de disseminar nosso poder desde que a bela Amor adormeceu – Lembrou ódio às presentes – As guerras foram nosso apogeu! E nosso poder é grande! Podemos tornar isso melhor.
- O que sugere? – Perguntou Inveja confusa.
-Causemos a terceira guerra e acabemos de uma vez por todas com a raça dos homens! – Esclareceu Ódio em total histeria – Se não podemos ter o alento, seremos a ruína da humanidade torpe.
As três deusas presentes concordaram integralmente no procedimento, mas não notaram um fato. 
Falsidade ouvira tudo.
Essa deusa era representada pela forma humana de uma jovem garota de olhos sonsos e sorriso frio. Muito bela e totalmente oportunista. Falsidade queria colher os frutos do plano atroz de Ódio, chegando à conclusão de que somente contando os planos para as deusas opositoras poderia obter vantagens com qualquer um dos lados que ganhasse.
A deusa ao sorrateiramente adentrar o castelo branco deparou-se face a face com Esperança, vestida com uma longa seda verde e apinhada de tranças em suas madeixas negras. Falsidade, com sua voz mentirosa, logo lhe foi contar:
-Que terrível história – Disse Esperança abismada – As deusas negras não podem cometer um ato desses!
-Mas irão! – Afirmou Falsidade efusivamente – Preciso que me ajude nisso.
-Ora – Esperança meneou sua cabeça – Creio que logo elas entrarão em acordo e nada ocorrerá.
 “Claro que ela não fará nada além de esperar”, pensou Falsidade abandonando Esperança em uma escadaria. Após muita demora, Falsidade finalmente conseguiu encontrar alguém que pudesse lhe ouvir: Sabedoria saberia o que fazer.
Sabedoria era uma deusa mística, causava a todos grande curiosidade por os mistérios que lhe envolviam.
-As deusas que tramam tal monstruosidade sabem que se a humanidade for extinta todas nós vamos desaparecer? – Perguntou Sabedoria.
-Não faço a mínima ideia – Respondeu Falsidade simulando em seu semblante um alienamento.
E então se fez uma reunião. Sabedoria fez a total questão de que todas as deusas de sua morada que estavam presentes se agrupassem na sala oval onde Amor dormia repousando em um esquife de vidro:
-Caras irmãs, deusas do coração humano! – Começou o discurso Sabedoria batendo leves palmas requerendo atenção – A situação é alarmante, caso não despertemos Amor, hoje, Ódio e suas pupilas irão destruir a humanidade.

- Conte mais! – Articulou Entusiasmo apoiando o queixo nas mãos.
-Não vamos castigar as deusas por isso, eu intercedo por elas – Suplicou Bondade com certa preocupação.
-Irmãs! – Gritou Sabedoria pedindo ordem – Não podemos nos olvidar do que causou o adormecimento de Amor.
-Dizem que foi a tal deusa Preguiça não é mesmo? – Perguntou Entusiasmo tamborilando os dedos em sua cadeira.

-Isso é uma grande mentira! Amor adormeceu por nossa própria apatia para com os homens – Sabedoria resfolegou – E, em parte, também pelo próprio homem ter se deixado tomar por outros sentimentos.
- Quando Amor era desperta vivíamos juntas no coração dos homens – Comentou a bela Paixão erguendo-se de seu trono – Por essa razão creio que ela insistiu em defender minha permanência nesse palácio e não junto com Ódio.
-Paixão não é malévola – Concordou Sabedoria – É muito boa e poderosa unida com Amor.
-Mas os homens tornavam-se escravos de sentimentos como ódio. Essa deusa fez tudo se torna cinza. Desejo minha amiga Amor novamente.
-Para amor voltar precisamos senti-la. Só assim os próprios homens voltarão a ter este sentimento – Disse Esperança com lágrimas nos olhos.
-Amor é perfeita – Comentou Falsidade com um sorriso amarelo.
As deusas presentes olharam-se. Embora palavras não tenham sido proferidas, todas as presentes – a exceção de Falsidade – sentiam a mesma coisa em seus corações imortais: Amor. 
Sim, depois de décadas de marasmo onde deusas como: Egoísmo, Ódio, Amargura. Tornaram-se supremas, Amor foi sentida e assim pôde renascer. Então despertando de seu sono, a mais antiga e pura das beldades retomou seu local em seu trono supremo. 
-Falaremos democraticamente com Ódio e suas pupilas antes de qualquer coisa – Decretou amor enquanto recebia abraços da jovem deusa Carinho. 
A demanda foi resolvida entre Amor e Ódio pouco tempo depois.
As maiores deusas antagônicas decidiram com o total apoio da própria conselheira Sabedoria que deveriam derramar sua dádiva na humanidade em equilíbrio. Permitindo assim os homens de escolherem o que deixariam culminar em seus corações.
A humanidade, embora não tenha tomado conhecimento das pugnas superiores, sentiu-se distinta a medida do tempo. Guerras foram cessadas e pactos de paz começaram a entrar em diálogo infindável. Ninguém sabia esclarecer o que ocorrera no peito de cada homem, mas o fato era imutável.
Despertara a deusa Amor. 

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